ATA DA TRIGÉSIMA PRIMEIRA SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 28.08.1989.

 


Aos vinte e oito dias do mês de agosto de mil novecentos e oitenta e nove reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Trigésima Primeira Sessão Solene da Primeira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada a assinalar os Dez Anos de Anistia no Brasil. Às dezessete horas e vinte e um minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e solicitou aos Líderes de Bancada que conduzisse ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Prof. Olívio Dutra, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Dep. Mário Madureira, representando a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul; Dr. Paulo Machado Carriconde, Secretário de Estado da Justiça Substituto, representando o Sr. Governador do Estado; Major Antonio Cesar Chaves, representando o Comando Geral da Brigada Militar; Ver. Lauro Hagemann, 1º Secretário da Casa. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Omar Ferri, em nome da Bancada do PSB, lembrou companheiros da luta pela anistia durante a ditadura militar no País, salientado ter sido, em mil novecentos e sessenta e quatro, exonerado de seu cargo na Fundação Brasil Central. Analisou a Lei nº 6683, declarando ter sido a mesma incompleta em sua abrangência. Destacou a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil na sua denúncia da repressão durante a ditadura militar. O Ver. Lauro Hagemann, em nome da Bancada do PCB, declarou que a presente Sessão destina-se a rememorar um acontecimento histórico e exigir que a anistia seja cumprida de forma completa, lembrando ainda carecer de concretização a anistia a marinheiros cassados durante o período ditatorial. Ressaltou a importância de que esse movimento se alastre por toda a população, destacando o grande número de companheiros do PCB que perderam sua vida na luta contra a opressão. O Ver. Airton Ferronato, em nome da Bancada do PMDB, congratulou-se com o Ver. Flávio Koutzii pela proposição do presente ato, dizendo ter sido a anistia uma vitória do povo brasileiro dentro de um clima de ditadura militar. Discorreu sobre o momento histórico no qual foi promulgada a Lei nº 6683. Atentou para a participação do PMDB nesta luta, reverenciando a memória de Teotônio Vilela. O Ver. João Dib, em nome das Bancadas do PDS e do PFL, comentou o significado desta solenidade como o início de um debate necessário sobre o real significado do movimento de mil novecentos e sessenta e quatro. Declarou esperar que este País não passe por novas revoluções mas se construa sobre uma base de paz e de trabalho. O Ver. Dilamar Machado, em nome da Bancada do PDT, analisou os limites existentes ente um movimento golpista e um revolucionário, classificando como golpista o movimento ocorrido em mil novecentos e sessenta e quatro no País. Falou das torturas e assassinatos ocorridos durante a ditadura militar, registrando o nome de diversos companheiros que participaram ativamente nas lutas pela anistia e salientando a abrangência restrita da anistia concedida pela Lei nº 6683. E o Ver. Flávio Koutzii, como proponente em nome das Bancadas do PT e do PTB, discorreu sobre os motivos que o levaram a propor a presente Sessão, como ato destinado a rememorar a repressão e resgatar a luta de tantos brasileiros contra a ditadura militar que enfrentou o Brasil. Destacou não ser a anistia sinônimo de esquecimento, mas de batalha do nosso povo pela redemocratização do País. Atentou para abrangência incompleta da Lei nº 6683, salientando, em especial, os diversos militares não atingidos por essa Lei. Leu manifesto da União dos Militares Não-Anistiados, acerca da questão em debate. Destacou os nome de Mila Cauduro e Elói Martins. Durante os trabalhos, o Sr. Presidente registrou as presenças das Senhoras Mila Cauduro e Lícia Peres; de representantes da Federação das Associações de Defesa da Anistia; da Comissão de Anistiados do Banco do Brasil; da Associação dos Militares Não-Anistiados; da Associação Brasileira dos Familiares dos Presos Desaparecidos da CBA; do Vice-Prefeito Tarso Genro; e de vários integrantes da luta pró-anistia no País. Às dezoito horas e quarenta minutos, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Valdir Fraga e secretariados pelo Ver. Lauro Hagemann. Do que eu, Lauro Hagemann, 1º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelo Sr. Presidente e por mim

 

 


O SR. PRESIDENTE (Valdir Fraga – às 17h21min): Damos por abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a assinalar o transcurso dos dez anos da Anistia no Brasil. Solicito aos Srs. Líderes de Bancada que introduzam neste Plenário as personalidades e autoridades convidadas para esta solenidade e que se encontram na sala da Presidência.

Com prazer, registramos as presenças das Senhoras Mila Cauduro e Lícia Peres bem como dos representantes da Federação das Associações de Defesa da Anistia; da Comissão de Anistiados do Banco do Brasil, da Associação dos Militares Não-Anistiados, da Associação Brasileira dos Familiares dos Presos Desaparecidos da CBA. Com satisfação registramos a presença do Vice-Prefeito Tarso Genro.

Não poderíamos deixar sem registro especial o transcurso dos dez anos da decretação da anistia em nosso País, após tantos anos de arbítrio. Foi o primeiro passo, ainda incompleto, como podemos ver naquela faixa afixada no fundo deste Plenário. Para prazer nosso estamos vendo aqui o ex-Ver. Marcos Klassmann e tantos outros. Eu coloco o Marcos porque recordo que também na minha época estava chegando na Câmara Municipal de Porto Alegre o nosso querido companheiro Glênio Peres.

De imediato, passamos a palavra ao primeiro orador, o Ver. Omar Ferri, que fala pela Bancada do PSB.

 

O SR. OMAR FERRI: Exmo. Sr. Ver. Valdir Fraga, Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, minhas Senhoras, meus Senhores; caros Colegas com assento nesta Câmara de Vereadores; prezados amigos cassados, punidos, expurgados, exilados e perseguidos pela ditadura militar, que honram o Plenário desta Casa, nesta tarde festiva de Sessão Solene.

Talvez esteja um pouco emocionado, mas é que me lembro desses últimos vinte anos. Vou oferecer este pequeno discurso a alguns companheiros que tive o prazer de vê-los durante o combate que nós, dia a dia, ano a ano, fizemos até conseguirmos a anistia de 1979, não por concessão deliberada do Governo, mas pela exigência de uma Nação que já estava, por vários anos, jurídica e politicamente abastardada pela ditadura militar.

Vejo a Mila Cauduro, minha prezada e querida prima; vejo a Lícia Peres; vejo o meu companheiro de Partido, Campezatto; vejo duas pessoas que admiro muito: o Alfredo Ribeiro Daudt, e Nelson Amorelli Viana; vejo o Ayala; e a Dona Maria, nossa Florzinha; vejo Carlos Gomes, há 37 anos funcionário da Petrobrás.

Poderia estar falando aqui, tanto quanto poderia estar sentado ali. A minha posição hoje é polivalente, polivalente porque em 08 de julho de 1963, pela Portaria nº 135/63, fui nomeado advogado da Fundação Brasil Central. Está aqui o documento. No dia 20 de abril de 1964 eu tive, eu digo o prazer, porque eu não poderia conviver com aquele regime de alta excepcionalidade e excrescência administrativa, que instaurou a pior ditadura que o País já conheceu, não poderia ficar separado dos meus amigos, nem isolado deles, da alma revolucionária que abalou a Nação no período de 1960 a 1964. Por isso que foi com prazer que recebi a Portaria nº 228/64, de 20 de abril de 1964, que diz o seguinte: “O interventor da Fundação Brasil Central, nomeado por ato do Comando Militar de Brasília, dando cumprimento do que lhe foi determinado, resolve: exonerar o Procurador de Terceira Categoria Omar Ferri. General Bulivar Oscar Mascaranhas, Interventor”.

O ano de 1964 representou um golpe contra as instituições democráticas, o pós-64 simbolizou a ditadura militar que tomou conta deste País. Vargas Villa dizia: “Quem ama a ditadura é porque a exerce ou a explora”. Essa Lei de 1979 deveria restabelecer plenamente os direitos dos cassados, dos expurgados, do punidos, mas não restabeleceu. Vamos rememorar algumas coisas ditas por nós. Uma pequena pesquisa me trouxe a lembrança, nesta tarde, de artigos, de lutas, de movimentos que nós fizemos, para restabelecer, neste País, os quadros da constitucionalidade. Um deles está presente e escreveu na Revista Veja: “Justiça para os Cassados”, Alfredo Ribeiro Daut, que afirmou: nestes mais de vinte anos de perseguição, humilhação e prevaricações, os militares cassados acompanharam, com estupefação, os mandos e desmandos cometidos, em nome das fardas que, orgulhosamente, um dia vestiram. Quem teve forças, partiu para o combate à ditadura; alguns preferiram seguir o caminho do silêncio, enquanto muitos outros foram obrigados a trilhá-lo por causas das prisões, das torturas e da morte. A anistia tem que ser ampla e completa. Os torturados e assassinados já foram anistiados pela Lei de 1979, Alfredo Ribeiro Daudt. É evidente que esta Lei de 1979 não anistiou completamente os perseguidos e punidos, mas aos assassinos, traidores da Pátria, sim. Aos torturadores, que foram muitos naquela época, estes a Lei absolveu. Veja-se o seu § 1º do art. 1°, ao estabelecer: consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. Por isso que esta Lei de 1979, a Lei nº 6.683, de 28 de agosto, além de tecnicamente imperfeita, porque ela não foi ampla e nem geral, seja porque não contemplou tantos quantos foram vítimas do arbítrio, direta ou indiretamente, seja porque não restituiu ao anistiado civil ou militar direitos já integrados no seu patrimônio jurídico, seja porque não ressarciu os atingidos pelo abuso do poder dos agentes do Estado, os prejuízos advindos do ato, e nem promoveu qualquer reparação às famílias dos mortos e desaparecidos. Por falar em mortos e desaparecidos, não são os partidos comunistas que dizem, nem o PC, nem o PCdoB, nem o PSB, nem qualquer daqueles movimentos, nem a imprensa nanica, quem denunciou centenas e centenas de assassinatos, de desaparecidos, que, infelizmente, como no Uruguai, como na Argentina, como no Chile, como no Paraguai, como na Bolívia, jamais poderão ser reintegrados às suas famílias. Foi a OAB, foi a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil que, em outubro de 1982, publicou uma relação das pessoas dadas mortas e desaparecidas, devido as suas atividades políticas. Vai grande a lista, mais de uma dezena de páginas. Os mortos não voltarão, mas devemos nos perguntar: a anistia deveria ou não reintegrar ao cenário político do País milhares de cidadãos brasileiros injustamente marginalizados? Eu pergunto aos Senhores: que anistia foi esta que não deu projeção vertical, nem horizontal, àqueles que foram punidos? E eu me perguntaria: que anistia concedera a mim que, por Portaria nº 52, de 28 de janeiro de 1987, o Superintendente da Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste – Sudeco –, resolveu me considerar anistiado, com fundamento na Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro 1985? (Lê.) “a Omar Ferri, categoria funcional de Procurador Autárquico, Código ‘tal’, classe especial, referência ‘tal’, tabela ‘tal’, ex-servidor da extinta Fundação Brasil Central, dispensado em 20 de abril de 1964, e declarar o desinteresse desta Superintendência na sua readmissão, com amparo no art. 4º, § 4º, da referida Emenda Constitucional.

Me obrigo a perguntar aos Senhores, Sr. Presidente, Senhores e Senhoras presentes neste Plenário. Eu peço que me assinalem, que me apontem um só precedente, de um militar gorila e traidor da Pátria, que tentou golpes, várias vezes, e que se exilou, como conta a História Brasileira, a história militar deste País. Todos eles voltaram, foram reintegrados, sem nenhuma exceção, basta que se leiam as obras específicas, e escritas, neste País, com relação a este assunto, e, principalmente, a obra de um General, chamado Nelson Weneck Sodré. Lembremo-nos de Aragarças. Por isso que os punidos pelos Atos Institucionais e Complementares não foram amplamente anistiados. A anistia deveria recompor a situação jurídica e individual anterior à punição. Por isso, deveria considerar, também, as alterações estruturais ocorridas durante o afastamento, e deveriam os órgãos da Administração Pública, para cumprir fielmente o prescrito no § 3º do art. 4º da Emenda Constitucional nº 26, “Assegurar aos servidores anistiados a promoção entre o plano horizontal, e a progressão funcional plano vertical, a que fariam jus se não houvessem sido afastados do serviço ativo”.

Mas vou mais longe, Sr. Presidente. Quais as razões de ordem que justificam que aqueles que deveriam resguardar a democracia, o direito e a justiça, rasgam as Constituições e dão os golpes de Estado, e depõem os Presidentes de República no Cone Sul e na América Latina, aos quais eles deveriam, por obediência constitucional, serem leais servidores, porque em todas as Constituições da América Latina, o Presidente da República é sempre o Comandante Chefe das Forças Armadas? Que direito eles tiveram, Sr. Presidente, Srs. Vereadores e Senhores presentes, de expurgar, de perseguir, de assassinar, e de não nos reintegrar? Por isso que a manifestação do Partido Socialista Brasileiro não poderia ser de total louvação, mas este período negro nos ensinou que, apesar de tudo, valeu a nossa luta, valeu a luta daqueles que aqui neste torrão enfrentaram a ditadura por esses largos vinte anos: valeu a luta, porque ela simboliza que estamos sempre presentes e, por mais que nos cassem e nos expurguem, jamais haverão de tirar-nos as idéias que temos em nossas cabeças, em nossas inteligências. Poderão cassar os nossos mandatos; poderão cassar as nossas funções públicas; poderão nos derrubar dos nossos cargos públicos; poderão assassinar os nossos irmãos e os nossos companheiros. Poderão nos exilar, poderão fazer chorar a nós e a nossas famílias; poderão fazer tudo aquilo que puderem e que quiserem. Mas jamais poderão tirar das nossas consciências a vontade revolucionária, de continuarmos a fazer a nossa pregação para conseguir as transformações sociais que o Brasil necessita para realmente se tornar, politicamente, independente e alcançar o estado de direito constitucional e a justiça social aspiração de todos os nossos cidadãos. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Concedemos a palavra ao Ver. Lauro Hagemann, que falará em nome da sua Bancada, o PCB.

 

O SR. LAURO HAGEMANN: Ver. Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Vereadores, companheiros anistiados. Nós estamos reunidos, hoje, nesta tarde, na Casa do Povo de Porto Alegre, e eu sei muito bem que não foi esta a intenção do Ver. Flávio Koutzii ao pedir esta Sessão, para um ato de louvação ou de graças pela anistia de 1979. Nós estamos aqui para rememorar um acontecimento histórico, para não deixar que as novas gerações esquecem o que aconteceu, e, sobretudo, para exigirmos de maneira uníssona que a anistia seja cumprida por inteiro e não pela metade, como está sendo cumprida até agora. Abrangendo apenas alguns tipos de anistiados, e deixando ainda outros perambulando pelo caminho. Este é o nosso dever, e eu vejo aqui e lembro que a anistia aos Marinheiros ainda carece de cumprimento. Não podemos esquecer esses irmãos, que foram os que talvez mais sofreram, mais iniqüidades tiveram pesando sobre suas cabeças. Também sou um anistiado, um anistiado também que não conseguiu a anistia por inteiro, mas eu não falo de mim, hoje eu estou numa posição privilegiada. Vejo aqui, quase todos presentes, companheiros de lutas comuns. Muitos dos quais e com os quais compartilhei de lutas sindicais, políticas, estudantis e sociais, cabeças que encaneceram, e fiéis aos seus princípios, às suas idéias. Isso anima a Sociedade, e é isso que devemos dizer aos jovens que estão hoje emergindo para a vida cívica deste País. Que foi graças a essa circunstância, e esse desprendimento, e esse sacrifício que o País, aos trancos e barrancos, chegou onde estamos hoje, mas é preciso ir muito além. É preciso que esse sacrifício, e essa constância, e essa fidelidade às nossas idéias tenha prosseguimento, que se alastre por setores mais variados da Sociedade e não há nenhum setor que seja mais permeável a essas idéias do que a juventude e a essa juventude nós devemos dar o nosso exemplo.

Não vou entrar no terreno jurídico da anistia, é uma complexidade analisar este aspecto da questão. Isto fica para os entendidos nas ciências jurídicas. Mas o que nós precisamos é examinar a anistia sobre o aspecto político; este País há dez anos atrás já estava maduro para receber a anistia àqueles que, pretensamente, tinham ousado desafiar os poderosos e que por isso foram perseguidos. Lamentavelmente, muitos dos nossos companheiros não estão vivos para receber esta anistia, embora pela metade. Particularmente, o meu partido, o Partido Comunista Brasileiro, teve grande parte de seus militantes, de sua direção silenciada para sempre. Esta anistia que hoje estamos evocando não nos atingiu, mas atingiu aqueles que provocaram o silenciamento desses camaradas.

Nós não alimentamos nenhum desejo de vingança, apenas gostaríamos que estes tristes exemplos fossem uma lição para que não mais se repetisse. E este to, hoje, nesta Casa, significa para mim, para nós, tenho a impressão, exatamente isso: não esquecer o que passou para que não se repita o que passou. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Fala pelo PMDB o Ver. Airto Ferronato.

 

O SR. AIRTO FERRONATO: Ver. Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre. Demais autoridades aqui presentes, Senhoras e Senhores.

(Lê.) “Sr. Presidente, Srs. Vereadores, ocupamos hoje a tribuna para registrar a passagem  dos dez anos da anistia no Brasil. A Bancada do PMDB nesta Casa cumprimenta inicialmente o Ver. Flávio Koutzii, proponente desta Sessão Solene, pela iniciativa, bem como a esta Casa, que hoje abre suas portas para assinalar tão significativa data para a vida política nacional, que marcou de forma indelével cada cidadão brasileiro, principalmente aqueles que foram destituídos de sua cidadania, tendo que abandonar o solo Pátrio.

Nosso mias profundo respeito a todos quantos sentiram o peso da mão do arbítrio e a todos aqueles que pagaram com a vida os seus ideais de liberdade.

Devemos ressaltar que, em primeiro lugar, foi uma vitória do povo brasileiro, que se organizou para conquistá-la.

Heróica e timidamente, quando o auge da repressão sequer permitia uma voz discordante. “Brasil, ame-o ou deixe-o” era, nesse período terrível de nossa história recente, o falso dilema importado de outro País. “Ame-o” significando concordar com o desamor que separa cidadãos por pensarem de modo diferente; e “deixe-o” significando o exílio involuntário e cruel, quando não a tortura, prisão ou mesmo a morte. Milhares de brasileiros viram parentes, amigos, companheiros, ou souberam de desconhecidos – brasileiros com eles – serem exilados, presos, torturados, desaparecidos ou mortos.

E o chamamento pela anistia foi-se tornando dia a dia maior, até se transformar em uma força expressiva.

O Movimento Feminino pela Anistia e os Comitês Nacionais pela Anistia espalharam-se por todo o País e Exterior; a sociedade passou a pressionar o Governo; milhares de organizações políticas, religiosas, sindicais, profissionais, exigiram a volta dos desterrados e a liberdade dos encarcerados por motivos políticos. Exigiram a anistia.

Com o selo da liberdade, foi o mais belo movimento que já se estruturou no País depois da instalação do arbítrio, principalmente pela espontânea congregação de entidades civis e parcelas descomprometidas de sociedade aberta, no firme compromisso de erguer os direitos da pessoa humana acima de desentendimentos e guerras, e firmar um pacto de esquecimento capaz de gerar uma nova solidariedade pelo futuro.

Os meios de comunicação desempenharam um papel importante, e tanto a Câmara quanto o Senado debateram largamente a matéria. A Nação viveu uma fase política tensa, mas, sobretudo, de intensa atividade parlamentar e popular.

Nascia, sem dúvida, a convicção de que a dinâmica da libertação nacional tinha muito a ver com a capacidade parlamentar dentro e fora do Congresso e com a capacidade de arregimentação popular. O Brasil voltava a respirar um clima de participação real na vida pública, evidenciando também a necessidade de concentrar esforços na defesa das prerrogativas do Parlamento, que sempre foram alavanca propulsora das medidas de liberalização e de abertura do regime.

A defesa da instituição parlamentar inscreveu-se sempre como o primeiro e o maior dos objetivos dos que cerraram fileiras na resistência à violência e ao arbítrio.

Não era mais possível o Congresso aprisionado no cerco de ferro do Poder Executivo, com o drástico processo de deterioração contínua e sistemática de suas atribuições específicas.

O Congresso não podia continuar como mero chancelador de decisões impostas, mas órgão soberano e livre para que o povo, através de seus representantes, não fosse servo senão do poder original e legítimo que advém da sagração popular através do voto direto. Também não poderia seguir como poder cartorial, homologatório, um sub-poder, mas, igualmente, soberano e livre, como devem ser os demais poderes, porque sem esta soberania e essa independência, harmonizadas pelo nivelamento de suas responsabilidades para com o povo e o Estado, poderia existir tudo, tudo, menos a democracia.

Realmente, o que sempre se quis era um Poder Legislativo coberto pelo manto da inviolabilidade e da imunidade.

O próprio Governo, que a princípio falava apenas em revisão de processos, teve que se curvar aceitando e propondo a anistia, ainda que restrita.

Em segundo lugar, a anistia em 1979 foi também uma conquista das oposições, à época reunidas no MDB. Desde os mais duros tempos da repressão, já o Partido das oposições lançava a semente da anistia no Congresso Nacional, expressando a frente de resistência democrática.

Sem dúvida, Sr. Presidente e Srs. Vereadores, todos os políticos que foram exilados e que hoje gozam de seu direito sagrado da cidadania, tiveram no Movimento Democrático Brasileiro o carro-chefe, e em Ulysses Guimarães o comandante maior desta conquista. Animado pela luta popular, esse movimento redobrou seus esforços, demandando por uma anistia como povo queria e como deve ser toda a anistia: ampla, geral e irrestrita.

Neste momento, também queremos reverenciar a memória de outro grande brasileiro, que desenvolveu, junto com seus companheiros emedebistas, um trabalho de campo que resultou numa patriótica movimentação popular em favor da anistia geral e especificamente da libertação dos presos políticos; trata-se do Senador Teotônio Vilela, Presidente da Comissão Mista do Senado, que percorreu este País de presídio em presídio, ouvindo os clamores dos parentes e familiares dos desaparecidos, comunicou-se com os exilados, conversou com o maior número possível de pessoas  atingidas por atos de força do arbítrio, recebendo documentos e esclarecimentos, bem como alternativas de como proceder nas pesquisas que enriquecessem os objetivos daquela Comissão. Naquele momento, mais do que ninguém ele sentiu o pulsar dos anseios da Nação. Teotônio Vilela foi uma das grandes testemunhas do esforço democrático empreendido por todas as forças que convergiram entusiasticamente para a planície da anistia.

Se é verdade que essa planície se resumiu a muito pouco do espaço requerido pelas correntes de pensamento amplo, geral e irrestrito, nem por isso a campanha da anistia perdeu de substância política e humanística. Parlamentar decidindo com a segurança que advém da sua legitimidade de sua organização e da independência de suas decisões. Esta sempre foi uma posição política que fortaleceu a luta pela restauração da dignidade do Poder Legislativo e a preocupação de recolocá-lo no centro das decisões nacionais.

O certo, no entanto, é que a democratização da sociedade e do Estado não foi oferta do regime, nem mesmo do seu projeto de abertura, mas conquista popular e fruto da vocação de liberdade da gente brasileira.

Para finalizar, Sr. Presidente e Srs. Vereadores, a anistia promulgada em 1979 não foi aquela que o povo desejava. Parcial e restrita, cometeu injustiças e discriminações odiosas e incompatíveis com a própria idéia da anistia, tal como universalmente reconhecida.  Contudo, essa anistia não deixa de representar uma vitória maior do povo brasileiro.

Os anistiados, hoje libertos de seus grilhões, já estão incorporados à vida ativa da Nação. Seus sofrimentos e experiências contribuíram na construção de um País melhor, sem lugar para iniqüidades, torturas e cruel repressão.

Hoje, o alargamento de fronteiras políticas, proporcionado pela campanha da Anistia, nos compele a continuar lutando. A conquista da democracia é uma missão perene de cada cidadão brasileiro, de batalha em batalha chegaremos lá.

A luta pela democracia não se encerrou na anistia, vive em todos os problemas que exigem a nossa participação e o nosso poder de decisão. A anistia continuará capenga enquanto houver brasileiros passando fome. Muito obrigado.”

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A palavra com o Ver. João Dib, pelo PDS e PFL.

 

O SR. JOÃO DIB: Exmo. Ver. Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, meus Senhores, minhas Senhoras, ilustres Vereadores. Em nome do meu Partido, o PDS, e do PFL, eu saúdo a todos. É por certo oportuna a realização desta Sessão, comemorando os dez anos da Lei nº 6.683. Com esta Sessão se abre, publicamente, o debate dentro do Parlamento Municipal, talvez ainda cedo, porque historicamente dez anos é muito pouco tempo. Os nossos corações ainda estão marcados pelo ressentimento, pela mágoa, por eventuais injustiças e más ações cometidas ao longo de um período muito grande e é preciso que tenhamos serenidade e amor para construir este País, e é preciso que haja compreensão entre os irmãos e não dissensões, e não ressentimentos. Vou fazer um pronunciamento curto, baseado em dois pensamentos: um de Mao Tse-tung e outro de Rui Barbosa.

Dizia Mao Tse-tung: “A revolução não é um banquete festivo, nem a criação de uma obra literária, nem o esboçar de um quadro, nem um bordado; não pode ser tão requintada, tão livre, tão terna, tão gentil, cortês e generosa”. Nós não tivemos, na realidade, no Brasil, no dia 31/12, uma revolução. Nós tivemos um movimento que, em primeiro lugar, a mulher brasileira pedia por ele. Houve falhas após o movimento? Houve acertos? Muitos. Houve razões de mágoa e ressentimentos? Sem dúvida. Todos os movimentos, segundo Mao Tse-tung, levam a isso. Mas é claro que o movimento brasileiro não foi igual ao movimento de Mao Tse-tung, que derramou o sangue de milhões de chineses; não foi igual ao de Fidel Castro, em Cuba; não foi igual ao da Revolução Russa e de tantos outros “Khomeinis” que aí estão no nosso mundo. O movimento revolucionário de 1964 teve o endosso do povo brasileiro, à oportunidade. Claro que depois deveria surgir deficiência, ao longo do tempo. E aconteceu.

Mas dizia Rui Barbosa que a anistia ou é um sacrifício da vitória para a paz ou, mais raramente, um ato de magnanimidade política, inspirado a um governo vigoroso, mas tolerante, pelo pensamento de associar a um triunfo a consagração moral das simpatias populares.  Ou tributo da vitória para a paz, ou entendimento do Governo, outra vez, através da mulher, que partiu, em primeiro lugar, para as ruas deste País, pedindo anistia. Seja o que for, é cedo para ser julgado. Dez anos não têm expressão nenhuma, historicamente. Ainda há poucos dias comentávamos a morte de Getúlio Vargas. E passados trinta e cinco anos de sua morte, o Brasil não tem condições de historicamente definir tudo o que aconteceu.

Mas não importa, a anistia não foi plena. Tem gente, ainda, que precisa ser anistiada. Tem gente, ainda, que precisa ser justiçada. Mas o debate começa, ele vai tomar forma, ele vai somar informação que não conhecemos ainda, que alguns retêm, mas o tempo vai nos dizer a grande verdade. Mas o que importa é que nós todos somos brasileiros, que todos nós amamos este País. E que este País precisa do trabalho de todos e de cada um de nós, e que somarmos nossos esforços ao esforço daqueles que sofreram mais com outros que não sofreram tanto, e com outros, talvez, que nunca se expressaram, mas sentiram a mágoa de verem seus amigos, seus afetos serem retirados de circulação, sofrerem qualquer violência, porque nós, brasileiros, não aceitamos a violência. Nenhum de nós gostaria de ver seu irmão maltratado. Mas a revolução é uma coisa desagradável. E o que quero é que de agora em diante não tenhamos de ver outros momentos tristes de uma revolução, ainda que tenha sido uma Revolução, inicialmente, sem derramamento de sangue. Eu não quero mais ver isto para o nosso País. E tenho a certeza que nenhum dos Senhores deseja. Os espíritos estão desarmados e os corações estão cheios de amor. E a nossa inteligência está, toda ela, voltada para o trabalho, para a realização de um País que merece um lugar muito melhor no concerto das Nações do Mundo.

Este é o meu desejo. Esta é mensagem do PDS e do PFL.

Aqueles que foram injustiçados e que estão aqui presentes, desarmem os seus corações. Sei que já fizeram isto, também. Mas vamos construir a nossa Pátria da melhor maneira possível. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Dilamar Machado, pelo PDT.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Exmo. Sr. Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, companheiros cassados expurgados e anistiados. Eu gostaria, em primeiro lugar, de definir os limites exatos de um movimento revolucionário, dos limites exatos de um movimento golpista. Há que se fixar na hora em que se analisa o passado recente e o presente deste País, que 1964 não viveu uma revolução. 1964 teve o apelido de revolução adjetivada de redentora. E se pergunta hoje aqui nesta Casa, engalanada pela presença de um Pedro Alvarez, do Capezatto, do Ayala, do Capitani, do Amorelli, do Maides, Mila Cauduro, de tantas figuras que enriquecem o Parlamento Municipal de Porto Alegre, a que veio a Redentora de 1964.

Fico imaginando, companheiros anistiados, alguns entre aspas, o que passava pela cabeça daqueles homens, que a partir do golpe de 1964 se reuniram para nos casar, para nos prender, para nos expurgar, para nos exilar. Como seriam as reuniões do Conselho de Segurança Nacional? Eu às vezes imagino como seriam aquelas conversas, o cafezinho, talvez no final da tarde um uisquezinho e uns dossiês, os famosos dossiês. Quem escrevia isto? Que tipo de brasileiro mandava para os tapetes, para os gabinetes de Brasília os nossos nomes, os nossos currículos, meu caro Ayala? De onde sairiam esta informações? Quem eram os dedos duros da época, meu caro Tenente Wilson, quem são estas pessoas? Que tipo de brasileiro era esse?

Pergunto aos companheiros militares aqui presentes: quem neste País vai anistiar o Sargento Manoel Raimundo Soares? Quem deu anistia a Manuel Raimundo Soares? Assassinado da forma mais covarde, brutal, desumana, estúpida, e onde estão os seus algozes? Quem matou o Sargento Manuel Raimundo Soares? Militares? Civis? Onde estão aqueles cinco homens que, numa madrugada, levaram aquele companheiro para as margens do Rio Jacuí e o mataram? Pergunto-me também nesta hora quem poderia, de sã consciência, hoje, neste País, defender o mais covarde dos criminosos, que é o torturador? Quem vai devolver a este jovem Vereador, Flávio Koutzii, a sua integridade, a sua saúde, os anos de vida que passou prisioneiro por pensar, por expor um pensamento político? Quantos companheiros aqui foram torturados, no ato mais covarde que o ser humano pode praticar? Porque a tortura política, meu querido companheiro Marcos Klassmann, ela é perpetrada à sombra do poder, em que o preso político não tem defesa, não tem argumento, e o argumento dos poderosos é o cassetete, é o choque elétrico, é o assassinato. Indiscutivelmente, não posso e não devo deixar transitar em julgado qualquer tipo de relação entre uma verdadeira revolução social no País e um golpe militar. O que ocorreu em 1979? Foi por acaso, companheiros, benefício da classe dominante? Não foi. Esse País, a partir de 1964 e, principalmente, a partir de 1968, era uma enorme panela de pressão. Foi aberta uma pequena válvula de escape. É evidente que esta luta nasceu em muitos territórios do País, mas aqui no Rio Grande do Sul teve figuras exponenciais. Eu não poderia citá-las integralmente, mas faço questão, pela presença, de citar as figuras de Mila Cauduro, Lícia Peres, Alfredo Ribeiro Daudt, Mairdes Melo, e de tantos outros companheiros que daqui foram, após a criação da AMPA, para levar o pensamento e exigência do Rio Grande por uma anistia ampla, geral e irrestrita. Hoje, dez anos depois, diz o companheiro Dib, dez anos é pouco, e é verdade, Dib. Dez anos na história de um País não e nada, mas estas faixas – “Anistia aos marinheiros” –, no dia em que se lembra a Lei de 1979, mostram que efetivamente esta anistia foi capenga. Não só a dos marinheiros, dos próprios militares. Eu sou filho de militar do Exército, e sei – meu pai era tenente QAO, depois capitão, e morreu como major da reserva. Sei, aprendi, como filho de militar, pai de oito filhos, conseqüentemente, pobre. O orgulho que o militar tem de sua farda, de suas divisas, Major César, das suas estrelas, do seu posto, das suas promoções por merecimento ou por tempo de serviço, sei até que ponto pesa na alma e consciência dos militares cassados, a partir de 1964, o fato de serem anistiados, mas ficarem como que prisioneiros de uma camisa-de-força desta Lei que não permite que sequer avancem de posto. Fica ali estagnado, a partir do posto em que foram cassados, não se sabe por que critérios e por que justiça. Conseqüentemente, neste dia, tem razão o companheiro Dib, é dia de refletirmos, começarmos a discutir esses assuntos, até que ponto esta anistia de 1979 foi efetivamente uma anistia. E é hora, também, companheiros, de lembrarmos que o povo deste País conquistou também o que nós chamamos de Assembléia Nacional Constituinte. Foi também uma grande luta popular e chegamos à convocação e instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte. E o que diz o artigo 8º desta Constituição nova, moderna, elaborada ontem? Nada, com relação à anistia. Pelo contrário, como que põe uma pedra em cima do assunto, impede sequer o avanço, impede que, por leis simples, se possa alterar esse quadro, apenas através de emendas constitucionais.

Isto, portanto, companheiros, nos abre um espaço hoje. Para nós os cassados, para mi, particularmente, para o companheiro Ferri, para o companheiro Flávio, para o companheiro Lauro, que estamos aqui, hoje, eleitos, a grande anistia foi o povo que nos deu, o povo deste País, o povo desta Cidade, este é que nos anistiou, quando nos conduziu aos postos em que nos queria ver. E é um privilégio estar nesta tribuna, e é em nome dos companheiros aqui presentes, cassados, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal – onde também a anistia é muito capenga –, os marinheiros, os militares do Exército, os companheiros da Brigada Militar, os funcionários da Prefeitura, os funcionários da Casa – esta senhora que está aqui na minha frente é mãe de um companheiro desta Casa, Taquígrafo, Jarbas, falecido há alguns anos e há 10 anos que ela luta na Justiça para receber os direitos deixados pelo filho – é em nome deles que falo. Eu não discuto o meu caso pessoal, fiquei dez anos expurgado da Prefeitura, como funcionário do quadro, fui reintegrado pela anistia, não recebi, não requeri, é uma questão apenas dos que comandam a Administração deste País, anistiar ou não os seus expurgados. Não me considero moralmente responsável pelo requerimento de receber os atrasados. É uma questão a discutir futuramente, quando for possível. Agora, deixo como lembrança aos companheiros cassados e anistiados. Nós conquistamos também, através da luta de cada um de nós, daqueles que aqui ficaram, daqueles que morreram, daqueles que ficaram meses ou anos na cadeia, daqueles que, a exemplo do Prefeito eleito na época anterior à Revolução, Prefeito Sereno Chaise, que ficou meses e meses preso, pelo fato de ter sido eleito pelo voto popular. Lembro, com muita tristeza e com muita dor, quando faço uma rememoração dos episódios para 1964, quando eu ia visitar o Sereno na cadeia, no Natal e no Ano-Novo. Um Prefeito eleito pelo Povo de Porto Alegre. Imagine, companheiro Olívio Dutra, amanhã, um novo golpe militar neste País e nós, seus amigos, irmos visitá-lo na cadeia, pelo fato de ter sido eleito pela vontade do povo desta Cidade. Pois isto aconteceu neste País e nesta Cidade. E nós íamos lá visitar os companheiros, quando não em outras prisões, quando não em seus túmulos.

Nós conquistamos um novo espaço, escolher um Presidente da República, e é o grande momento e a grande oportunidade de esta Nação examinar com atenção, e o fato merece, quem são os candidatos que temos pela frente, e quais destes candidatos terão a oportunidade de assumir a Presidência da República e passar este País a limpo. Eu não sou vingativo, revanchista. Agora, se o Presidente da República, o novo Presidente deste País tiver ouvidos para me ouvir, aqueles que torturaram, que mataram impunemente, impunes não ficarão; é hora de um novo Presidente da República, eleito pelo voto deste povo, fazer uma revisão geral, neste País, inclusive, revisando toda a questão desta anistia, que hoje completa 10 anos. De qualquer forma, pela força do povo brasileiro foi dado esse avanço, e de lá para cá muita coisa aconteceu, e, principalmente, nós temos oportunidade, hoje, sindicalistas, funcionários, militares, expurgados e anistiados, de termos a reunião pública, colocados os nossos pensamentos e a nossa voz. Isto foi um avanço do povo brasileiro, e se há alguém a ser homenageado, neste dia, de dez anos da Lei da Anistia, é o povo deste País. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Flávio Koutzii, autor da proposição e Líder do PT, que falará também pelo PTB.

 

O SR. FLÁVIO KOUTZII: Autoridades presentes, Vereadores, companheiros e companheiras. A iniciativa foi em primeiro lugar, uma decisão em Congresso Nacional do PT, de que, onde fosse possível, registrar e marcar esses dez anos de anistia, e nós falamos não porque seja um dia de festa, porque não é. Nós falamos em nome da memória, em nome da dor que jamais será esquecida por cada um dos presentes nesta sala, porque o maior patrimônio de um povo é aprender as lições do seu caminho. Nós respeitamos muito o Ver. João Dib, pela sua coerência e seu pensamento de homem de direita, mas acho que o que ele disse não corresponde ao sentimento da maioria dos que estão nesta sala. Não é nosso o espírito da vingança, porque se vingança há ela é a nossa permanência a nossa insistência e o fato de que estamos aqui ainda, apesar do que tentaram fazer com nós: destruir a nossa vontade política; destruir a nossa vontade de lutas; destruir o nosso pedaço e o nosso papel neste País. O que também é importante é o caminho não do revanchismo, mas da continuação da nossa luta, é o que nós aprendemos, ter adquirido paciência e maturidade, é ter adquirido sabedoria que só os esforços da luta social e da luta de classes podem dar a um povo.

Nós estamos aqui, hoje, nos parlamentos, nos sindicatos, nas ruas, nas lutas comunitárias, nas lutas dos sem-terra, insistindo e perseverando, uns mais cansados, outros que retomam a iniciativa jovem e disposta, às vezes um pouco cheia de ingenuidade, mas em nome da memória, em nome da luta, é que nós temos muito claro o momento em que vivemos. Que coisa mais surpreendente, esta! Que o dia de hoje, dez anos de anistia, é só agora – dez anos depois – que iremos ter as eleições diretas para Presidente de República. Que maldita tradição conservadora, atrasada, antipovo, a que nós tivemos que viver!

É por isso que – e eu relia ontem as Atas do magnífico debate que o Congresso Nacional fez entre os meses de junho e o 28 de agosto de 1979, e em muitas intervenções, inclusive, de companheiros nossos do campo progressista, havia uma certa linguagem nas Emendas que faziam para enfrentar o Projeto do Governo, que era um projeto de fato inaceitável, que era uma meia anistia e que era fundamentalmente uma anistia completa aos torturadores, à máquina repressiva, se falava na idéia de que a anistia era esquecimento, nada mais equivocado. Anistia se arrancou, e quantos aqui nessa sala são atores, enérgicos e veementes, desse esforço. Isso foi arrancado pela vontade, pela decisão, pela paixão, pela vergonha na cara e pela indignação de homens e mulheres brasileiros que abriram o caminho, o caminho inclusive da redemocratização, colocando a luta da anistia em primeiro lugar. E é preciso ter cuidado, hoje, porque aqueles que não viveram isso podem pensar que a palavra anistia significa apenas isto que foi tanto para tantos de nós, o direito a reingressar na normalidade da vida da nossa sociedade. Mas nós sabermos que foi muito mais que isto. Dentro da palavra anistia cabe a pergunta: Mas anistia do quê? Anistia de uma luta corajosa, muito solitária, muito desigual, profundamente ética, que foi a luta daqueles que, sob diferentes bandeiras políticas, souberam enfrentar de frente o Governo Militar. Anistia que significou aqueles que logo ali, a partir de 1964, foram banidos dos quadros do Exército e da Marinha, e de postos sindicais, porque já antes vinham lutando por um outro Brasil, por bandeiras nacionalistas, por bandeiras de reformas, por bandeiras antiimperialistas.

Então, é preciso recordar isto. Todos nós, com diferentes matrizes, fizemos, antes de 1964 e depois de 1964, uma luta por um outro tipo de sociedade e por um outro tipo de Brasil. Nada poderia nos orgulhar mais do que isto. Anistia deveriam ter aqueles que cobriram este País de violência, segregação e que construíram esse grande mar de pobreza, de miséria e de indignidade que vive hoje. Mas mais ainda, com o passar do tempo, anistia queria dizer, também, aquilo que se viveu nas prisões, e uma das missões mais importantes – e que não pode ser esquecida nunca – é que a grande maioria daqueles que foram banidos, punidos, cassados ou aprisionados pelo Governo Militar, são homens e mulheres que padeceram a tortura e o exílio. E bastaria lembra um infinito segundo da dor que os torturados passaram, uma fração das humilhações incessantes que viveram para entender que o resgate de sua memória, da sua dor, da sua luta e do seu orgulho, da sua vontade e da sua paixão é, de fato, aquilo que mais nos moveu registrar nestes dez anos da anistia.

Portanto, nenhum pacto de esquecimento; portanto, o contrário. Isto é, sobretudo, uma homenagem à memória, uma homenagem aos sentimentos de cada um que ficam aí perdidos nas palavras políticas e nas generalizações abstratas. É uma homenagem ao nosso sentimento, de cada um de nós que pudemos resgatar, num País com uma terrível crise de valores como a de hoje, o esforço de uma geração, vergonha na cara de milhares de brasileiros do Exército, da Marinha, dos Sindicatos, da juventude estudantil, dos militantes de esquerda, dos militantes nacionalistas que souberam estar à altura das suas idéias. Mesmo que não tenhamos acertado na estratégia, acertamos, certamente, no lado em que ficamos e na luta que abraçamos. É preciso registrar, também, na data de hoje, esses agradecimentos, que não terminarão nunca, àqueles que organizaram os Comitês Brasileiros de Anistia, os Comitês Femininos pela Anistia e que deram uma base para que este avanço fosse conseguido. E, sobretudo, deram àqueles que longe do País ou dentro das prisões um novo alento, um novo estímulo, um novo calor ou um novo motivo de esperança. Nós que vivemos isso sabemos como foi bom e como foi importante que lá fora – porque naquela época era assim – lá fora essa gente se organizasse e lutasse com coragem e com decisão. E, mais ainda, recordar que, inclusive nestas oportunidades, uma nova geração de militantes se aproximou da política, e testemunho pessoalmente de quantos já encontrei que, até, às vezes, envergonhadamente, diziam que a sua primeira ação política foi nesse ou naquele comitê pela anistia e, ali, começou o seu engajamento político. Feliz essa circunstância que permitiu que aqueles condenados a uma passividade relativa nas prisões e no exílio pudessem ser indiretamente o motivo de ingresso na luta de novos companheiros. É por isso que é importante registrar também – o que foi feito pelos que nos antecederam – que aquela linha de anistia ampla, geral e irrestrita não foi cumprida. É por isso que, isso sendo um tema da memória, não é um tema do passado, é um tema presente. E é um tema do presente porque até hoje, dados os limites do Projeto aprovado em 1979, dada a covardia e a insensibilidade política nessa nova Constituição, nós seguimos tendo entre nós alguns milhares de companheiros que persistem marginalizados, não-reintegrados e absolutamente ainda proscritos. É o caso dos militares não-anistiados, porque tiveram a audácia, a coragem e a honradez de, como militares, ter uma visão nacionalista, uma visão de defesa do seu País, e não uma visão a favor dos interesses dos imperialistas. Temos aqui a oportunidade de frisar – sei que muitos que estão nesta sala o conhecem perfeitamente – o manifesto do dia de hoje, da União dos Militares Não-Anistiados onde eles recordam que existem ainda 400 marinheiros e fuzileiros navais expulsos, processados e condenados, cujas penas, somadas, atingiram a mais de 13 séculos de reclusão. Condenados pelas auditorias da Marinha, cumpriram penas nos diversos presídios políticos do País, no entanto, até a presente data, não foram declarados beneficiários da anistia prevista na Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985. Isso vale para mais de 140 marinheiros, fuzileiros navais, cabos do Exército e da FAB, expulsos e indiciados em IPMs; vale para 963 marinheiros, fuzileiros navais, licenciados “ex-officio” por terem sidos indicados, nos IPMs da época, que apuraram as ocorrência famosa na assembléia dos marinheiros, realizada em 13 de março de 1964, na Sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro.

É por isso que a luta da anistia não terminou. O realismo político, as contingências do momento certamente colocam, imperativamente, outros temas em primeiro lugar. É nosso compromisso, um dever para com essa geração de lutadores que, justamente nas circunstâncias do embate eleitoral e das primeiras eleições presidenciais que viveremos, depois do golpe de estado de 1964, essa seja uma bandeira que esteja nas mãos dos Partidos que reivindicam o campo popular e a luta por um outro País e por uma outra sociedade. Não levar isso em conta, porque não é realista na prática, é trair o melhor dos nossos compromissos. Gostaria de terminar aludindo, na pessoa de Mila Cauduro e do meu velho companheiro Elói Martins, a homenagem a um lutador histórico e a uma lutadora que permitiram, um pelo lado da anistia, outro como um dos mais combativos, persistentes lutadores revolucionários do nosso Estado, que pudéssemos ter chegado no dia de hoje nessas condições, mas sonhando sempre que elas não cessem de se ampliar e que possamos transformar essa precária democracia no começo de uma outra sociedade. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Anistia 79/89: Direitos Humanos – Uma Luta Para Sempre. Hoje, às 20h, na Assembléia Legislativa. Os Senhores estão convidados, segundo comunicação que estamos recebendo aqui do nosso companheiro Dep. Mário Madureira.

Encerrando gostaria de dizer que seria bom se pudéssemos ter, nas próximas eleições, no mínimo uns dez de cada um dos Senhores em nossos parlamentos. Se não fossem os Senhores, não teríamos, hoje, um Governador eleito, teríamos aqueles indicados, não teríamos também os Prefeitos nas áreas de segurança. Foi uma luta, se lutava pelas eleições diretas em todo o País e se acampava de um lado para o outro e se ganhou um pirezinho, como se fosse uma esmola, nas eleições para a Prefeitura e agora nós temos a grande oportunidade, que é a Presidência da República.

Eu cumprimento a todos pela presença, uma boa noite e sejam bem vindos à Casa do Povo, que os Senhores e as Senhoras conquistaram – e que, sem isso, ela estaria fechada. Muito obrigado.(Palmas.)

Nada mais havendo a tratar, declaro encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h40min.)

 

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