ATA DA TRIGÉSIMA PRIMEIRA SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA
SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 28.08.1989.
Aos vinte e oito dias do mês de agosto de mil
novecentos e oitenta e nove reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio
Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Trigésima Primeira Sessão
Solene da Primeira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura,
destinada a assinalar os Dez Anos de Anistia no Brasil. Às dezessete horas e
vinte e um minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente
declarou abertos os trabalhos e solicitou aos Líderes de Bancada que conduzisse
ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Ver.
Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Prof. Olívio
Dutra, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Dep. Mário Madureira, representando
a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul; Dr. Paulo Machado
Carriconde, Secretário de Estado da Justiça Substituto, representando o Sr.
Governador do Estado; Major Antonio Cesar Chaves, representando o Comando Geral
da Brigada Militar; Ver. Lauro Hagemann, 1º Secretário da Casa. A seguir, o Sr.
Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O
Ver. Omar Ferri, em nome da Bancada do PSB, lembrou companheiros da luta pela
anistia durante a ditadura militar no País, salientado ter sido, em mil
novecentos e sessenta e quatro, exonerado de seu cargo na Fundação Brasil
Central. Analisou a Lei nº 6683, declarando ter sido a mesma incompleta em sua
abrangência. Destacou a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil na sua
denúncia da repressão durante a ditadura militar. O Ver. Lauro Hagemann, em
nome da Bancada do PCB, declarou que a presente Sessão destina-se a rememorar
um acontecimento histórico e exigir que a anistia seja cumprida de forma
completa, lembrando ainda carecer de concretização a anistia a marinheiros
cassados durante o período ditatorial. Ressaltou a importância de que esse
movimento se alastre por toda a população, destacando o grande número de
companheiros do PCB que perderam sua vida na luta contra a opressão. O Ver.
Airton Ferronato, em nome da Bancada do PMDB, congratulou-se com o Ver. Flávio
Koutzii pela proposição do presente ato, dizendo ter sido a anistia uma vitória
do povo brasileiro dentro de um clima de ditadura militar. Discorreu sobre o
momento histórico no qual foi promulgada a Lei nº 6683. Atentou para a
participação do PMDB nesta luta, reverenciando a memória de Teotônio Vilela. O
Ver. João Dib, em nome das Bancadas do PDS e do PFL, comentou o significado
desta solenidade como o início de um debate necessário sobre o real significado
do movimento de mil novecentos e sessenta e quatro. Declarou esperar que este
País não passe por novas revoluções mas se construa sobre uma base de paz e de
trabalho. O Ver. Dilamar Machado, em nome da Bancada do PDT, analisou os
limites existentes ente um movimento golpista e um revolucionário,
classificando como golpista o movimento ocorrido em mil novecentos e sessenta e
quatro no País. Falou das torturas e assassinatos ocorridos durante a ditadura
militar, registrando o nome de diversos companheiros que participaram
ativamente nas lutas pela anistia e salientando a abrangência restrita da
anistia concedida pela Lei nº 6683. E o Ver. Flávio Koutzii, como proponente em
nome das Bancadas do PT e do PTB, discorreu sobre os motivos que o levaram a
propor a presente Sessão, como ato destinado a rememorar a repressão e resgatar
a luta de tantos brasileiros contra a ditadura militar que enfrentou o Brasil.
Destacou não ser a anistia sinônimo de esquecimento, mas de batalha do nosso
povo pela redemocratização do País. Atentou para abrangência incompleta da Lei
nº 6683, salientando, em especial, os diversos militares não atingidos por essa
Lei. Leu manifesto da União dos Militares Não-Anistiados, acerca da questão em
debate. Destacou os nome de Mila Cauduro e Elói Martins. Durante os trabalhos,
o Sr. Presidente registrou as presenças das Senhoras Mila Cauduro e Lícia
Peres; de representantes da Federação das Associações de Defesa da Anistia; da
Comissão de Anistiados do Banco do Brasil; da Associação dos Militares
Não-Anistiados; da Associação Brasileira dos Familiares dos Presos
Desaparecidos da CBA; do Vice-Prefeito Tarso Genro; e de vários integrantes da
luta pró-anistia no País. Às dezoito horas e quarenta minutos, o Sr. Presidente
fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e
personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada mais havendo
a tratar, levantou os trabalhos, convocando os Senhores Vereadores para a
Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos
pelo Ver. Valdir Fraga e secretariados pelo Ver. Lauro Hagemann. Do que eu,
Lauro Hagemann, 1º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que,
após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelo Sr. Presidente e por
mim
O SR. PRESIDENTE (Valdir Fraga – às 17h21min): Damos
por abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a assinalar o
transcurso dos dez anos da Anistia no Brasil. Solicito aos Srs. Líderes de
Bancada que introduzam neste Plenário as personalidades e autoridades
convidadas para esta solenidade e que se encontram na sala da Presidência.
Com prazer, registramos as presenças das Senhoras
Mila Cauduro e Lícia Peres bem como dos representantes da Federação das
Associações de Defesa da Anistia; da Comissão de Anistiados do Banco do Brasil,
da Associação dos Militares Não-Anistiados, da Associação Brasileira dos
Familiares dos Presos Desaparecidos da CBA. Com satisfação registramos a
presença do Vice-Prefeito Tarso Genro.
Não poderíamos deixar sem registro especial o
transcurso dos dez anos da decretação da anistia em nosso País, após tantos
anos de arbítrio. Foi o primeiro passo, ainda incompleto, como podemos ver
naquela faixa afixada no fundo deste Plenário. Para prazer nosso estamos vendo
aqui o ex-Ver. Marcos Klassmann e tantos outros. Eu coloco o Marcos porque
recordo que também na minha época estava chegando na Câmara Municipal de Porto
Alegre o nosso querido companheiro Glênio Peres.
De imediato, passamos a palavra ao primeiro
orador, o Ver. Omar Ferri, que fala pela Bancada do PSB.
O SR. OMAR FERRI: Exmo.
Sr. Ver. Valdir Fraga, Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre,
minhas Senhoras, meus Senhores; caros Colegas com assento nesta Câmara de
Vereadores; prezados amigos cassados, punidos, expurgados, exilados e
perseguidos pela ditadura militar, que honram o Plenário desta Casa, nesta
tarde festiva de Sessão Solene.
Talvez esteja um pouco emocionado, mas é que
me lembro desses últimos vinte anos. Vou oferecer este pequeno discurso a
alguns companheiros que tive o prazer de vê-los durante o combate que nós, dia
a dia, ano a ano, fizemos até conseguirmos a anistia de 1979, não por concessão
deliberada do Governo, mas pela exigência de uma Nação que já estava, por
vários anos, jurídica e politicamente abastardada pela ditadura militar.
Vejo a Mila Cauduro, minha prezada e querida
prima; vejo a Lícia Peres; vejo o meu companheiro de Partido, Campezatto; vejo
duas pessoas que admiro muito: o Alfredo Ribeiro Daudt, e Nelson Amorelli
Viana; vejo o Ayala; e a Dona Maria, nossa Florzinha; vejo Carlos Gomes, há 37
anos funcionário da Petrobrás.
Poderia estar falando aqui, tanto quanto
poderia estar sentado ali. A minha posição hoje é polivalente, polivalente
porque em 08 de julho de 1963, pela Portaria nº 135/63, fui nomeado advogado da
Fundação Brasil Central. Está aqui o documento. No dia 20 de abril de 1964 eu
tive, eu digo o prazer, porque eu não poderia conviver com aquele regime de
alta excepcionalidade e excrescência administrativa, que instaurou a pior
ditadura que o País já conheceu, não poderia ficar separado dos meus amigos,
nem isolado deles, da alma revolucionária que abalou a Nação no período de 1960
a 1964. Por isso que foi com prazer que recebi a Portaria nº 228/64, de 20 de
abril de 1964, que diz o seguinte: “O interventor da Fundação Brasil Central,
nomeado por ato do Comando Militar de Brasília, dando cumprimento do que lhe
foi determinado, resolve: exonerar o Procurador de Terceira Categoria Omar
Ferri. General Bulivar Oscar Mascaranhas, Interventor”.
O ano de 1964 representou um golpe contra as
instituições democráticas, o pós-64 simbolizou a ditadura militar que tomou
conta deste País. Vargas Villa dizia: “Quem ama a ditadura é porque a exerce ou
a explora”. Essa Lei de 1979 deveria restabelecer plenamente os direitos dos
cassados, dos expurgados, do punidos, mas não restabeleceu. Vamos rememorar
algumas coisas ditas por nós. Uma pequena pesquisa me trouxe a lembrança, nesta
tarde, de artigos, de lutas, de movimentos que nós fizemos, para restabelecer,
neste País, os quadros da constitucionalidade. Um deles está presente e
escreveu na Revista Veja: “Justiça para os Cassados”, Alfredo Ribeiro Daut, que
afirmou: nestes mais de vinte anos de perseguição, humilhação e prevaricações,
os militares cassados acompanharam, com estupefação, os mandos e desmandos
cometidos, em nome das fardas que, orgulhosamente, um dia vestiram. Quem teve
forças, partiu para o combate à ditadura; alguns preferiram seguir o caminho do
silêncio, enquanto muitos outros foram obrigados a trilhá-lo por causas das
prisões, das torturas e da morte. A anistia tem que ser ampla e completa. Os
torturados e assassinados já foram anistiados pela Lei de 1979, Alfredo Ribeiro
Daudt. É evidente que esta Lei de 1979 não anistiou completamente os
perseguidos e punidos, mas aos assassinos, traidores da Pátria, sim. Aos
torturadores, que foram muitos naquela época, estes a Lei absolveu. Veja-se o
seu § 1º do art. 1°, ao estabelecer: consideram-se conexos, para efeito deste
artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou
praticados por motivação política. Por isso que esta Lei de 1979, a Lei nº
6.683, de 28 de agosto, além de tecnicamente imperfeita, porque ela não foi
ampla e nem geral, seja porque não contemplou tantos quantos foram vítimas do
arbítrio, direta ou indiretamente, seja porque não restituiu ao anistiado civil
ou militar direitos já integrados no seu patrimônio jurídico, seja porque não
ressarciu os atingidos pelo abuso do poder dos agentes do Estado, os prejuízos
advindos do ato, e nem promoveu qualquer reparação às famílias dos mortos e
desaparecidos. Por falar em mortos e desaparecidos, não são os partidos
comunistas que dizem, nem o PC, nem o PCdoB, nem o PSB, nem qualquer daqueles
movimentos, nem a imprensa nanica, quem denunciou centenas e centenas de
assassinatos, de desaparecidos, que, infelizmente, como no Uruguai, como na
Argentina, como no Chile, como no Paraguai, como na Bolívia, jamais poderão ser
reintegrados às suas famílias. Foi a OAB, foi a Comissão dos Direitos Humanos
da Ordem dos Advogados do Brasil que, em outubro de 1982, publicou uma relação
das pessoas dadas mortas e desaparecidas, devido as suas atividades políticas.
Vai grande a lista, mais de uma dezena de páginas. Os mortos não voltarão, mas
devemos nos perguntar: a anistia deveria ou não reintegrar ao cenário político
do País milhares de cidadãos brasileiros injustamente marginalizados? Eu
pergunto aos Senhores: que anistia foi esta que não deu projeção vertical, nem
horizontal, àqueles que foram punidos? E eu me perguntaria: que anistia
concedera a mim que, por Portaria nº 52, de 28 de janeiro de 1987, o
Superintendente da Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste –
Sudeco –, resolveu me considerar anistiado, com fundamento na Emenda
Constitucional nº 26, de 27 de novembro 1985? (Lê.) “a Omar Ferri, categoria
funcional de Procurador Autárquico, Código ‘tal’, classe especial, referência
‘tal’, tabela ‘tal’, ex-servidor da extinta Fundação Brasil Central, dispensado
em 20 de abril de 1964, e declarar o desinteresse desta Superintendência na sua
readmissão, com amparo no art. 4º, § 4º, da referida Emenda Constitucional.
Me obrigo a perguntar aos Senhores, Sr.
Presidente, Senhores e Senhoras presentes neste Plenário. Eu peço que me
assinalem, que me apontem um só precedente, de um militar gorila e traidor da
Pátria, que tentou golpes, várias vezes, e que se exilou, como conta a História
Brasileira, a história militar deste País. Todos eles voltaram, foram
reintegrados, sem nenhuma exceção, basta que se leiam as obras específicas, e
escritas, neste País, com relação a este assunto, e, principalmente, a obra de
um General, chamado Nelson Weneck Sodré. Lembremo-nos de Aragarças. Por isso
que os punidos pelos Atos Institucionais e Complementares não foram amplamente
anistiados. A anistia deveria recompor a situação jurídica e individual anterior
à punição. Por isso, deveria considerar, também, as alterações estruturais
ocorridas durante o afastamento, e deveriam os órgãos da Administração Pública,
para cumprir fielmente o prescrito no § 3º do art. 4º da Emenda Constitucional
nº 26, “Assegurar aos servidores anistiados a promoção entre o plano
horizontal, e a progressão funcional plano vertical, a que fariam jus se não
houvessem sido afastados do serviço ativo”.
Mas vou mais longe, Sr. Presidente. Quais as
razões de ordem que justificam que aqueles que deveriam resguardar a
democracia, o direito e a justiça, rasgam as Constituições e dão os golpes de
Estado, e depõem os Presidentes de República no Cone Sul e na América Latina,
aos quais eles deveriam, por obediência constitucional, serem leais servidores,
porque em todas as Constituições da América Latina, o Presidente da República é
sempre o Comandante Chefe das Forças Armadas? Que direito eles tiveram, Sr.
Presidente, Srs. Vereadores e Senhores presentes, de expurgar, de perseguir, de
assassinar, e de não nos reintegrar? Por isso que a manifestação do Partido
Socialista Brasileiro não poderia ser de total louvação, mas este período negro
nos ensinou que, apesar de tudo, valeu a nossa luta, valeu a luta daqueles que
aqui neste torrão enfrentaram a ditadura por esses largos vinte anos: valeu a
luta, porque ela simboliza que estamos sempre presentes e, por mais que nos
cassem e nos expurguem, jamais haverão de tirar-nos as idéias que temos em
nossas cabeças, em nossas inteligências. Poderão cassar os nossos mandatos;
poderão cassar as nossas funções públicas; poderão nos derrubar dos nossos
cargos públicos; poderão assassinar os nossos irmãos e os nossos companheiros.
Poderão nos exilar, poderão fazer chorar a nós e a nossas famílias; poderão
fazer tudo aquilo que puderem e que quiserem. Mas jamais poderão tirar das
nossas consciências a vontade revolucionária, de continuarmos a fazer a nossa
pregação para conseguir as transformações sociais que o Brasil necessita para
realmente se tornar, politicamente, independente e alcançar o estado de direito
constitucional e a justiça social aspiração de todos os nossos cidadãos. Muito
obrigado. (Palmas.)
(Revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Concedemos
a palavra ao Ver. Lauro Hagemann, que falará em nome da sua Bancada, o PCB.
O SR. LAURO HAGEMANN: Ver.
Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Vereadores,
companheiros anistiados. Nós estamos reunidos, hoje, nesta tarde, na Casa do
Povo de Porto Alegre, e eu sei muito bem que não foi esta a intenção do Ver.
Flávio Koutzii ao pedir esta Sessão, para um ato de louvação ou de graças pela
anistia de 1979. Nós estamos aqui para rememorar um acontecimento histórico,
para não deixar que as novas gerações esquecem o que aconteceu, e, sobretudo, para
exigirmos de maneira uníssona que a anistia seja cumprida por inteiro e não
pela metade, como está sendo cumprida até agora. Abrangendo apenas alguns tipos
de anistiados, e deixando ainda outros perambulando pelo caminho. Este é o
nosso dever, e eu vejo aqui e lembro que a anistia aos Marinheiros ainda carece
de cumprimento. Não podemos esquecer esses irmãos, que foram os que talvez mais
sofreram, mais iniqüidades tiveram pesando sobre suas cabeças. Também sou um
anistiado, um anistiado também que não conseguiu a anistia por inteiro, mas eu
não falo de mim, hoje eu estou numa posição privilegiada. Vejo aqui, quase
todos presentes, companheiros de lutas comuns. Muitos dos quais e com os quais
compartilhei de lutas sindicais, políticas, estudantis e sociais, cabeças que
encaneceram, e fiéis aos seus princípios, às suas idéias. Isso anima a
Sociedade, e é isso que devemos dizer aos jovens que estão hoje emergindo para
a vida cívica deste País. Que foi graças a essa circunstância, e esse
desprendimento, e esse sacrifício que o País, aos trancos e barrancos, chegou
onde estamos hoje, mas é preciso ir muito além. É preciso que esse sacrifício,
e essa constância, e essa fidelidade às nossas idéias tenha prosseguimento, que
se alastre por setores mais variados da Sociedade e não há nenhum setor que
seja mais permeável a essas idéias do que a juventude e a essa juventude nós
devemos dar o nosso exemplo.
Não vou entrar no terreno jurídico da anistia,
é uma complexidade analisar este aspecto da questão. Isto fica para os
entendidos nas ciências jurídicas. Mas o que nós precisamos é examinar a
anistia sobre o aspecto político; este País há dez anos atrás já estava maduro
para receber a anistia àqueles que, pretensamente, tinham ousado desafiar os
poderosos e que por isso foram perseguidos. Lamentavelmente, muitos dos nossos
companheiros não estão vivos para receber esta anistia, embora pela metade.
Particularmente, o meu partido, o Partido Comunista Brasileiro, teve grande
parte de seus militantes, de sua direção silenciada para sempre. Esta anistia
que hoje estamos evocando não nos atingiu, mas atingiu aqueles que provocaram o
silenciamento desses camaradas.
Nós não alimentamos nenhum desejo de vingança,
apenas gostaríamos que estes tristes exemplos fossem uma lição para que não
mais se repetisse. E este to, hoje, nesta Casa, significa para mim, para nós,
tenho a impressão, exatamente isso: não esquecer o que passou para que não se
repita o que passou. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Fala
pelo PMDB o Ver. Airto Ferronato.
O SR. AIRTO FERRONATO: Ver.
Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre. Demais
autoridades aqui presentes, Senhoras e Senhores.
(Lê.) “Sr. Presidente, Srs. Vereadores,
ocupamos hoje a tribuna para registrar a passagem dos dez anos da anistia no Brasil. A Bancada do PMDB nesta Casa
cumprimenta inicialmente o Ver. Flávio Koutzii, proponente desta Sessão Solene,
pela iniciativa, bem como a esta Casa, que hoje abre suas portas para assinalar
tão significativa data para a vida política nacional, que marcou de forma
indelével cada cidadão brasileiro, principalmente aqueles que foram destituídos
de sua cidadania, tendo que abandonar o solo Pátrio.
Nosso mias profundo respeito a todos quantos
sentiram o peso da mão do arbítrio e a todos aqueles que pagaram com a vida os
seus ideais de liberdade.
Devemos ressaltar que, em primeiro lugar, foi
uma vitória do povo brasileiro, que se organizou para conquistá-la.
Heróica e timidamente, quando o auge da
repressão sequer permitia uma voz discordante. “Brasil, ame-o ou deixe-o” era,
nesse período terrível de nossa história recente, o falso dilema importado de
outro País. “Ame-o” significando concordar com o desamor que separa cidadãos
por pensarem de modo diferente; e “deixe-o” significando o exílio involuntário
e cruel, quando não a tortura, prisão ou mesmo a morte. Milhares de brasileiros
viram parentes, amigos, companheiros, ou souberam de desconhecidos –
brasileiros com eles – serem exilados, presos, torturados, desaparecidos ou
mortos.
E o chamamento pela anistia foi-se tornando
dia a dia maior, até se transformar em uma força expressiva.
O Movimento Feminino pela Anistia e os Comitês
Nacionais pela Anistia espalharam-se por todo o País e Exterior; a sociedade
passou a pressionar o Governo; milhares de organizações políticas, religiosas,
sindicais, profissionais, exigiram a volta dos desterrados e a liberdade dos
encarcerados por motivos políticos. Exigiram a anistia.
Com o selo da liberdade, foi o mais belo
movimento que já se estruturou no País depois da instalação do arbítrio,
principalmente pela espontânea congregação de entidades civis e parcelas
descomprometidas de sociedade aberta, no firme compromisso de erguer os
direitos da pessoa humana acima de desentendimentos e guerras, e firmar um
pacto de esquecimento capaz de gerar uma nova solidariedade pelo futuro.
Os meios de comunicação desempenharam um papel
importante, e tanto a Câmara quanto o Senado debateram largamente a matéria. A
Nação viveu uma fase política tensa, mas, sobretudo, de intensa atividade
parlamentar e popular.
Nascia, sem dúvida, a convicção de que a
dinâmica da libertação nacional tinha muito a ver com a capacidade parlamentar
dentro e fora do Congresso e com a capacidade de arregimentação popular. O Brasil
voltava a respirar um clima de participação real na vida pública, evidenciando
também a necessidade de concentrar esforços na defesa das prerrogativas do
Parlamento, que sempre foram alavanca propulsora das medidas de liberalização e
de abertura do regime.
A defesa da instituição parlamentar
inscreveu-se sempre como o primeiro e o maior dos objetivos dos que cerraram
fileiras na resistência à violência e ao arbítrio.
Não era mais possível o Congresso aprisionado
no cerco de ferro do Poder Executivo, com o drástico processo de deterioração
contínua e sistemática de suas atribuições específicas.
O Congresso não podia continuar como mero
chancelador de decisões impostas, mas órgão soberano e livre para que o povo,
através de seus representantes, não fosse servo senão do poder original e
legítimo que advém da sagração popular através do voto direto. Também não
poderia seguir como poder cartorial, homologatório, um sub-poder, mas,
igualmente, soberano e livre, como devem ser os demais poderes, porque sem esta
soberania e essa independência, harmonizadas pelo nivelamento de suas
responsabilidades para com o povo e o Estado, poderia existir tudo, tudo, menos
a democracia.
Realmente, o que sempre se quis era um Poder
Legislativo coberto pelo manto da inviolabilidade e da imunidade.
O próprio Governo, que a princípio falava
apenas em revisão de processos, teve que se curvar aceitando e propondo a
anistia, ainda que restrita.
Em segundo lugar, a anistia em 1979 foi também
uma conquista das oposições, à época reunidas no MDB. Desde os mais duros
tempos da repressão, já o Partido das oposições lançava a semente da anistia no
Congresso Nacional, expressando a frente de resistência democrática.
Sem dúvida, Sr. Presidente e Srs. Vereadores,
todos os políticos que foram exilados e que hoje gozam de seu direito sagrado
da cidadania, tiveram no Movimento Democrático Brasileiro o carro-chefe, e em
Ulysses Guimarães o comandante maior desta conquista. Animado pela luta
popular, esse movimento redobrou seus esforços, demandando por uma anistia como
povo queria e como deve ser toda a anistia: ampla, geral e irrestrita.
Neste momento, também queremos reverenciar a
memória de outro grande brasileiro, que desenvolveu, junto com seus
companheiros emedebistas, um trabalho de campo que resultou numa patriótica
movimentação popular em favor da anistia geral e especificamente da libertação
dos presos políticos; trata-se do Senador Teotônio Vilela, Presidente da
Comissão Mista do Senado, que percorreu este País de presídio em presídio, ouvindo
os clamores dos parentes e familiares dos desaparecidos, comunicou-se com os
exilados, conversou com o maior número possível de pessoas atingidas por atos de força do arbítrio,
recebendo documentos e esclarecimentos, bem como alternativas de como proceder
nas pesquisas que enriquecessem os objetivos daquela Comissão. Naquele momento,
mais do que ninguém ele sentiu o pulsar dos anseios da Nação. Teotônio Vilela
foi uma das grandes testemunhas do esforço democrático empreendido por todas as
forças que convergiram entusiasticamente para a planície da anistia.
Se é verdade que essa planície se resumiu a
muito pouco do espaço requerido pelas correntes de pensamento amplo, geral e
irrestrito, nem por isso a campanha da anistia perdeu de substância política e
humanística. Parlamentar decidindo com a segurança que advém da sua
legitimidade de sua organização e da independência de suas decisões. Esta
sempre foi uma posição política que fortaleceu a luta pela restauração da
dignidade do Poder Legislativo e a preocupação de recolocá-lo no centro das
decisões nacionais.
O certo, no entanto, é que a democratização da
sociedade e do Estado não foi oferta do regime, nem mesmo do seu projeto de
abertura, mas conquista popular e fruto da vocação de liberdade da gente brasileira.
Para finalizar, Sr. Presidente e Srs.
Vereadores, a anistia promulgada em 1979 não foi aquela que o povo desejava.
Parcial e restrita, cometeu injustiças e discriminações odiosas e incompatíveis
com a própria idéia da anistia, tal como universalmente reconhecida. Contudo, essa anistia não deixa de
representar uma vitória maior do povo brasileiro.
Os anistiados, hoje libertos de seus grilhões,
já estão incorporados à vida ativa da Nação. Seus sofrimentos e experiências
contribuíram na construção de um País melhor, sem lugar para iniqüidades,
torturas e cruel repressão.
Hoje, o alargamento de fronteiras políticas,
proporcionado pela campanha da Anistia, nos compele a continuar lutando. A
conquista da democracia é uma missão perene de cada cidadão brasileiro, de
batalha em batalha chegaremos lá.
A luta pela democracia não se encerrou na
anistia, vive em todos os problemas que exigem a nossa participação e o nosso
poder de decisão. A anistia continuará capenga enquanto houver brasileiros
passando fome. Muito obrigado.”
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: A
palavra com o Ver. João Dib, pelo PDS e PFL.
O SR. JOÃO DIB: Exmo.
Ver. Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, meus
Senhores, minhas Senhoras, ilustres Vereadores. Em nome do meu Partido, o PDS,
e do PFL, eu saúdo a todos. É por certo oportuna a realização desta Sessão,
comemorando os dez anos da Lei nº 6.683. Com esta Sessão se abre, publicamente,
o debate dentro do Parlamento Municipal, talvez ainda cedo, porque historicamente
dez anos é muito pouco tempo. Os nossos corações ainda estão marcados pelo
ressentimento, pela mágoa, por eventuais injustiças e más ações cometidas ao
longo de um período muito grande e é preciso que tenhamos serenidade e amor
para construir este País, e é preciso que haja compreensão entre os irmãos e
não dissensões, e não ressentimentos. Vou fazer um pronunciamento curto,
baseado em dois pensamentos: um de Mao Tse-tung e outro de Rui Barbosa.
Dizia Mao Tse-tung: “A revolução não é um
banquete festivo, nem a criação de uma obra literária, nem o esboçar de um
quadro, nem um bordado; não pode ser tão requintada, tão livre, tão terna, tão
gentil, cortês e generosa”. Nós não tivemos, na realidade, no Brasil, no dia
31/12, uma revolução. Nós tivemos um movimento que, em primeiro lugar, a mulher
brasileira pedia por ele. Houve falhas após o movimento? Houve acertos? Muitos.
Houve razões de mágoa e ressentimentos? Sem dúvida. Todos os movimentos,
segundo Mao Tse-tung, levam a isso. Mas é claro que o movimento brasileiro não
foi igual ao movimento de Mao Tse-tung, que derramou o sangue de milhões de
chineses; não foi igual ao de Fidel Castro, em Cuba; não foi igual ao da
Revolução Russa e de tantos outros “Khomeinis” que aí estão no nosso mundo. O
movimento revolucionário de 1964 teve o endosso do povo brasileiro, à
oportunidade. Claro que depois deveria surgir deficiência, ao longo do tempo. E
aconteceu.
Mas dizia Rui Barbosa que a anistia ou é um
sacrifício da vitória para a paz ou, mais raramente, um ato de magnanimidade
política, inspirado a um governo vigoroso, mas tolerante, pelo pensamento de
associar a um triunfo a consagração moral das simpatias populares. Ou tributo da vitória para a paz, ou
entendimento do Governo, outra vez, através da mulher, que partiu, em primeiro
lugar, para as ruas deste País, pedindo anistia. Seja o que for, é cedo para
ser julgado. Dez anos não têm expressão nenhuma, historicamente. Ainda há
poucos dias comentávamos a morte de Getúlio Vargas. E passados trinta e cinco anos
de sua morte, o Brasil não tem condições de historicamente definir tudo o que
aconteceu.
Mas não importa, a anistia não foi plena. Tem
gente, ainda, que precisa ser anistiada. Tem gente, ainda, que precisa ser
justiçada. Mas o debate começa, ele vai tomar forma, ele vai somar informação
que não conhecemos ainda, que alguns retêm, mas o tempo vai nos dizer a grande
verdade. Mas o que importa é que nós todos somos brasileiros, que todos nós
amamos este País. E que este País precisa do trabalho de todos e de cada um de
nós, e que somarmos nossos esforços ao esforço daqueles que sofreram mais com
outros que não sofreram tanto, e com outros, talvez, que nunca se expressaram,
mas sentiram a mágoa de verem seus amigos, seus afetos serem retirados de
circulação, sofrerem qualquer violência, porque nós, brasileiros, não aceitamos
a violência. Nenhum de nós gostaria de ver seu irmão maltratado. Mas a
revolução é uma coisa desagradável. E o que quero é que de agora em diante não
tenhamos de ver outros momentos tristes de uma revolução, ainda que tenha sido
uma Revolução, inicialmente, sem derramamento de sangue. Eu não quero mais ver
isto para o nosso País. E tenho a certeza que nenhum dos Senhores deseja. Os
espíritos estão desarmados e os corações estão cheios de amor. E a nossa
inteligência está, toda ela, voltada para o trabalho, para a realização de um
País que merece um lugar muito melhor no concerto das Nações do Mundo.
Este é o meu desejo. Esta é mensagem do PDS e
do PFL.
Aqueles que foram injustiçados e que estão
aqui presentes, desarmem os seus corações. Sei que já fizeram isto, também. Mas
vamos construir a nossa Pátria da melhor maneira possível. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Com a
palavra, o Ver. Dilamar Machado, pelo PDT.
O SR. DILAMAR MACHADO: Exmo.
Sr. Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, companheiros
cassados expurgados e anistiados. Eu gostaria, em primeiro lugar, de definir os
limites exatos de um movimento revolucionário, dos limites exatos de um
movimento golpista. Há que se fixar na hora em que se analisa o passado recente
e o presente deste País, que 1964 não viveu uma revolução. 1964 teve o apelido
de revolução adjetivada de redentora. E se pergunta hoje aqui nesta Casa,
engalanada pela presença de um Pedro Alvarez, do Capezatto, do Ayala, do
Capitani, do Amorelli, do Maides, Mila Cauduro, de tantas figuras que
enriquecem o Parlamento Municipal de Porto Alegre, a que veio a Redentora de
1964.
Fico imaginando, companheiros anistiados,
alguns entre aspas, o que passava pela cabeça daqueles homens, que a partir do
golpe de 1964 se reuniram para nos casar, para nos prender, para nos expurgar,
para nos exilar. Como seriam as reuniões do Conselho de Segurança Nacional? Eu
às vezes imagino como seriam aquelas conversas, o cafezinho, talvez no final da
tarde um uisquezinho e uns dossiês, os famosos dossiês. Quem escrevia isto? Que
tipo de brasileiro mandava para os tapetes, para os gabinetes de Brasília os
nossos nomes, os nossos currículos, meu caro Ayala? De onde sairiam esta
informações? Quem eram os dedos duros da época, meu caro Tenente Wilson, quem
são estas pessoas? Que tipo de brasileiro era esse?
Pergunto aos companheiros militares aqui
presentes: quem neste País vai anistiar o Sargento Manoel Raimundo Soares? Quem
deu anistia a Manuel Raimundo Soares? Assassinado da forma mais covarde,
brutal, desumana, estúpida, e onde estão os seus algozes? Quem matou o Sargento
Manuel Raimundo Soares? Militares? Civis? Onde estão aqueles cinco homens que,
numa madrugada, levaram aquele companheiro para as margens do Rio Jacuí e o
mataram? Pergunto-me também nesta hora quem poderia, de sã consciência, hoje,
neste País, defender o mais covarde dos criminosos, que é o torturador? Quem
vai devolver a este jovem Vereador, Flávio Koutzii, a sua integridade, a sua
saúde, os anos de vida que passou prisioneiro por pensar, por expor um
pensamento político? Quantos companheiros aqui foram torturados, no ato mais
covarde que o ser humano pode praticar? Porque a tortura política, meu querido
companheiro Marcos Klassmann, ela é perpetrada à sombra do poder, em que o
preso político não tem defesa, não tem argumento, e o argumento dos poderosos é
o cassetete, é o choque elétrico, é o assassinato. Indiscutivelmente, não posso
e não devo deixar transitar em julgado qualquer tipo de relação entre uma
verdadeira revolução social no País e um golpe militar. O que ocorreu em 1979?
Foi por acaso, companheiros, benefício da classe dominante? Não foi. Esse País,
a partir de 1964 e, principalmente, a partir de 1968, era uma enorme panela de
pressão. Foi aberta uma pequena válvula de escape. É evidente que esta luta
nasceu em muitos territórios do País, mas aqui no Rio Grande do Sul teve
figuras exponenciais. Eu não poderia citá-las integralmente, mas faço questão,
pela presença, de citar as figuras de Mila Cauduro, Lícia Peres, Alfredo
Ribeiro Daudt, Mairdes Melo, e de tantos outros companheiros que daqui foram,
após a criação da AMPA, para levar o pensamento e exigência do Rio Grande por
uma anistia ampla, geral e irrestrita. Hoje, dez anos depois, diz o companheiro
Dib, dez anos é pouco, e é verdade, Dib. Dez anos na história de um País não e
nada, mas estas faixas – “Anistia aos marinheiros” –, no dia em que se lembra a
Lei de 1979, mostram que efetivamente esta anistia foi capenga. Não só a dos
marinheiros, dos próprios militares. Eu sou filho de militar do Exército, e sei
– meu pai era tenente QAO, depois capitão, e morreu como major da reserva. Sei,
aprendi, como filho de militar, pai de oito filhos, conseqüentemente, pobre. O
orgulho que o militar tem de sua farda, de suas divisas, Major César, das suas
estrelas, do seu posto, das suas promoções por merecimento ou por tempo de
serviço, sei até que ponto pesa na alma e consciência dos militares cassados, a
partir de 1964, o fato de serem anistiados, mas ficarem como que prisioneiros
de uma camisa-de-força desta Lei que não permite que sequer avancem de posto.
Fica ali estagnado, a partir do posto em que foram cassados, não se sabe por que
critérios e por que justiça. Conseqüentemente, neste dia, tem razão o
companheiro Dib, é dia de refletirmos, começarmos a discutir esses assuntos,
até que ponto esta anistia de 1979 foi efetivamente uma anistia. E é hora,
também, companheiros, de lembrarmos que o povo deste País conquistou também o
que nós chamamos de Assembléia Nacional Constituinte. Foi também uma grande
luta popular e chegamos à convocação e instalação de uma Assembléia Nacional
Constituinte. E o que diz o artigo 8º desta Constituição nova, moderna,
elaborada ontem? Nada, com relação à anistia. Pelo contrário, como que põe uma
pedra em cima do assunto, impede sequer o avanço, impede que, por leis simples,
se possa alterar esse quadro, apenas através de emendas constitucionais.
Isto, portanto, companheiros, nos abre um
espaço hoje. Para nós os cassados, para mi, particularmente, para o companheiro
Ferri, para o companheiro Flávio, para o companheiro Lauro, que estamos aqui,
hoje, eleitos, a grande anistia foi o povo que nos deu, o povo deste País, o
povo desta Cidade, este é que nos anistiou, quando nos conduziu aos postos em
que nos queria ver. E é um privilégio estar nesta tribuna, e é em nome dos
companheiros aqui presentes, cassados, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica
Federal – onde também a anistia é muito capenga –, os marinheiros, os militares
do Exército, os companheiros da Brigada Militar, os funcionários da Prefeitura,
os funcionários da Casa – esta senhora que está aqui na minha frente é mãe de
um companheiro desta Casa, Taquígrafo, Jarbas, falecido há alguns anos e há 10
anos que ela luta na Justiça para receber os direitos deixados pelo filho – é
em nome deles que falo. Eu não discuto o meu caso pessoal, fiquei dez anos
expurgado da Prefeitura, como funcionário do quadro, fui reintegrado pela
anistia, não recebi, não requeri, é uma questão apenas dos que comandam a
Administração deste País, anistiar ou não os seus expurgados. Não me considero
moralmente responsável pelo requerimento de receber os atrasados. É uma questão
a discutir futuramente, quando for possível. Agora, deixo como lembrança aos
companheiros cassados e anistiados. Nós conquistamos também, através da luta de
cada um de nós, daqueles que aqui ficaram, daqueles que morreram, daqueles que
ficaram meses ou anos na cadeia, daqueles que, a exemplo do Prefeito eleito na
época anterior à Revolução, Prefeito Sereno Chaise, que ficou meses e meses
preso, pelo fato de ter sido eleito pelo voto popular. Lembro, com muita
tristeza e com muita dor, quando faço uma rememoração dos episódios para 1964,
quando eu ia visitar o Sereno na cadeia, no Natal e no Ano-Novo. Um Prefeito
eleito pelo Povo de Porto Alegre. Imagine, companheiro Olívio Dutra, amanhã, um
novo golpe militar neste País e nós, seus amigos, irmos visitá-lo na cadeia,
pelo fato de ter sido eleito pela vontade do povo desta Cidade. Pois isto
aconteceu neste País e nesta Cidade. E nós íamos lá visitar os companheiros,
quando não em outras prisões, quando não em seus túmulos.
Nós conquistamos um novo espaço, escolher um
Presidente da República, e é o grande momento e a grande oportunidade de esta
Nação examinar com atenção, e o fato merece, quem são os candidatos que temos
pela frente, e quais destes candidatos terão a oportunidade de assumir a
Presidência da República e passar este País a limpo. Eu não sou vingativo,
revanchista. Agora, se o Presidente da República, o novo Presidente deste País
tiver ouvidos para me ouvir, aqueles que torturaram, que mataram impunemente,
impunes não ficarão; é hora de um novo Presidente da República, eleito pelo
voto deste povo, fazer uma revisão geral, neste País, inclusive, revisando toda
a questão desta anistia, que hoje completa 10 anos. De qualquer forma, pela
força do povo brasileiro foi dado esse avanço, e de lá para cá muita coisa
aconteceu, e, principalmente, nós temos oportunidade, hoje, sindicalistas,
funcionários, militares, expurgados e anistiados, de termos a reunião pública,
colocados os nossos pensamentos e a nossa voz. Isto foi um avanço do povo
brasileiro, e se há alguém a ser homenageado, neste dia, de dez anos da Lei da
Anistia, é o povo deste País. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Com a
palavra, o Ver. Flávio Koutzii, autor da proposição e Líder do PT, que falará
também pelo PTB.
O SR. FLÁVIO KOUTZII: Autoridades
presentes, Vereadores, companheiros e companheiras. A iniciativa foi em
primeiro lugar, uma decisão em Congresso Nacional do PT, de que, onde fosse
possível, registrar e marcar esses dez anos de anistia, e nós falamos não porque
seja um dia de festa, porque não é. Nós falamos em nome da memória, em nome da
dor que jamais será esquecida por cada um dos presentes nesta sala, porque o
maior patrimônio de um povo é aprender as lições do seu caminho. Nós
respeitamos muito o Ver. João Dib, pela sua coerência e seu pensamento de homem
de direita, mas acho que o que ele disse não corresponde ao sentimento da
maioria dos que estão nesta sala. Não é nosso o espírito da vingança, porque se
vingança há ela é a nossa permanência a nossa insistência e o fato de que
estamos aqui ainda, apesar do que tentaram fazer com nós: destruir a nossa
vontade política; destruir a nossa vontade de lutas; destruir o nosso pedaço e
o nosso papel neste País. O que também é importante é o caminho não do revanchismo,
mas da continuação da nossa luta, é o que nós aprendemos, ter adquirido
paciência e maturidade, é ter adquirido sabedoria que só os esforços da luta
social e da luta de classes podem dar a um povo.
Nós estamos aqui, hoje, nos parlamentos, nos
sindicatos, nas ruas, nas lutas comunitárias, nas lutas dos sem-terra,
insistindo e perseverando, uns mais cansados, outros que retomam a iniciativa
jovem e disposta, às vezes um pouco cheia de ingenuidade, mas em nome da
memória, em nome da luta, é que nós temos muito claro o momento em que vivemos.
Que coisa mais surpreendente, esta! Que o dia de hoje, dez anos de anistia, é
só agora – dez anos depois – que iremos ter as eleições diretas para Presidente
de República. Que maldita tradição conservadora, atrasada, antipovo, a que nós
tivemos que viver!
É por isso que – e eu relia ontem as Atas do
magnífico debate que o Congresso Nacional fez entre os meses de junho e o 28 de
agosto de 1979, e em muitas intervenções, inclusive, de companheiros nossos do
campo progressista, havia uma certa linguagem nas Emendas que faziam para
enfrentar o Projeto do Governo, que era um projeto de fato inaceitável, que era
uma meia anistia e que era fundamentalmente uma anistia completa aos
torturadores, à máquina repressiva, se falava na idéia de que a anistia era
esquecimento, nada mais equivocado. Anistia se arrancou, e quantos aqui nessa
sala são atores, enérgicos e veementes, desse esforço. Isso foi arrancado pela
vontade, pela decisão, pela paixão, pela vergonha na cara e pela indignação de
homens e mulheres brasileiros que abriram o caminho, o caminho inclusive da
redemocratização, colocando a luta da anistia em primeiro lugar. E é preciso
ter cuidado, hoje, porque aqueles que não viveram isso podem pensar que a
palavra anistia significa apenas isto que foi tanto para tantos de nós, o
direito a reingressar na normalidade da vida da nossa sociedade. Mas nós
sabermos que foi muito mais que isto. Dentro da palavra anistia cabe a
pergunta: Mas anistia do quê? Anistia de uma luta corajosa, muito solitária,
muito desigual, profundamente ética, que foi a luta daqueles que, sob
diferentes bandeiras políticas, souberam enfrentar de frente o Governo Militar.
Anistia que significou aqueles que logo ali, a partir de 1964, foram banidos
dos quadros do Exército e da Marinha, e de postos sindicais, porque já antes
vinham lutando por um outro Brasil, por bandeiras nacionalistas, por bandeiras
de reformas, por bandeiras antiimperialistas.
Então, é preciso recordar isto. Todos nós, com
diferentes matrizes, fizemos, antes de 1964 e depois de 1964, uma luta por um
outro tipo de sociedade e por um outro tipo de Brasil. Nada poderia nos
orgulhar mais do que isto. Anistia deveriam ter aqueles que cobriram este País
de violência, segregação e que construíram esse grande mar de pobreza, de
miséria e de indignidade que vive hoje. Mas mais ainda, com o passar do tempo,
anistia queria dizer, também, aquilo que se viveu nas prisões, e uma das
missões mais importantes – e que não pode ser esquecida nunca – é que a grande
maioria daqueles que foram banidos, punidos, cassados ou aprisionados pelo
Governo Militar, são homens e mulheres que padeceram a tortura e o exílio. E
bastaria lembra um infinito segundo da dor que os torturados passaram, uma
fração das humilhações incessantes que viveram para entender que o resgate de
sua memória, da sua dor, da sua luta e do seu orgulho, da sua vontade e da sua
paixão é, de fato, aquilo que mais nos moveu registrar nestes dez anos da
anistia.
Portanto, nenhum pacto de esquecimento;
portanto, o contrário. Isto é, sobretudo, uma homenagem à memória, uma
homenagem aos sentimentos de cada um que ficam aí perdidos nas palavras
políticas e nas generalizações abstratas. É uma homenagem ao nosso sentimento,
de cada um de nós que pudemos resgatar, num País com uma terrível crise de
valores como a de hoje, o esforço de uma geração, vergonha na cara de milhares
de brasileiros do Exército, da Marinha, dos Sindicatos, da juventude
estudantil, dos militantes de esquerda, dos militantes nacionalistas que
souberam estar à altura das suas idéias. Mesmo que não tenhamos acertado na
estratégia, acertamos, certamente, no lado em que ficamos e na luta que
abraçamos. É preciso registrar, também, na data de hoje, esses agradecimentos,
que não terminarão nunca, àqueles que organizaram os Comitês Brasileiros de
Anistia, os Comitês Femininos pela Anistia e que deram uma base para que este
avanço fosse conseguido. E, sobretudo, deram àqueles que longe do País ou
dentro das prisões um novo alento, um novo estímulo, um novo calor ou um novo
motivo de esperança. Nós que vivemos isso sabemos como foi bom e como foi
importante que lá fora – porque naquela época era assim – lá fora essa gente se
organizasse e lutasse com coragem e com decisão. E, mais ainda, recordar que,
inclusive nestas oportunidades, uma nova geração de militantes se aproximou da
política, e testemunho pessoalmente de quantos já encontrei que, até, às vezes,
envergonhadamente, diziam que a sua primeira ação política foi nesse ou naquele
comitê pela anistia e, ali, começou o seu engajamento político. Feliz essa
circunstância que permitiu que aqueles condenados a uma passividade relativa
nas prisões e no exílio pudessem ser indiretamente o motivo de ingresso na luta
de novos companheiros. É por isso que é importante registrar também – o que foi
feito pelos que nos antecederam – que aquela linha de anistia ampla, geral e
irrestrita não foi cumprida. É por isso que, isso sendo um tema da memória, não
é um tema do passado, é um tema presente. E é um tema do presente porque até
hoje, dados os limites do Projeto aprovado em 1979, dada a covardia e a
insensibilidade política nessa nova Constituição, nós seguimos tendo entre nós
alguns milhares de companheiros que persistem marginalizados, não-reintegrados
e absolutamente ainda proscritos. É o caso dos militares não-anistiados, porque
tiveram a audácia, a coragem e a honradez de, como militares, ter uma visão
nacionalista, uma visão de defesa do seu País, e não uma visão a favor dos
interesses dos imperialistas. Temos aqui a oportunidade de frisar – sei que
muitos que estão nesta sala o conhecem perfeitamente – o manifesto do dia de
hoje, da União dos Militares Não-Anistiados onde eles recordam que existem
ainda 400 marinheiros e fuzileiros navais expulsos, processados e condenados,
cujas penas, somadas, atingiram a mais de 13 séculos de reclusão. Condenados
pelas auditorias da Marinha, cumpriram penas nos diversos presídios políticos
do País, no entanto, até a presente data, não foram declarados beneficiários da
anistia prevista na Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985.
Isso vale para mais de 140 marinheiros, fuzileiros navais, cabos do Exército e
da FAB, expulsos e indiciados em IPMs; vale para 963 marinheiros, fuzileiros
navais, licenciados “ex-officio” por terem sidos indicados, nos IPMs da época,
que apuraram as ocorrência famosa na assembléia dos marinheiros, realizada em
13 de março de 1964, na Sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro.
É por isso que a luta da anistia não terminou.
O realismo político, as contingências do momento certamente colocam,
imperativamente, outros temas em primeiro lugar. É nosso compromisso, um dever
para com essa geração de lutadores que, justamente nas circunstâncias do embate
eleitoral e das primeiras eleições presidenciais que viveremos, depois do golpe
de estado de 1964, essa seja uma bandeira que esteja nas mãos dos Partidos que
reivindicam o campo popular e a luta por um outro País e por uma outra
sociedade. Não levar isso em conta, porque não é realista na prática, é trair o
melhor dos nossos compromissos. Gostaria de terminar aludindo, na pessoa de
Mila Cauduro e do meu velho companheiro Elói Martins, a homenagem a um lutador
histórico e a uma lutadora que permitiram, um pelo lado da anistia, outro como
um dos mais combativos, persistentes lutadores revolucionários do nosso Estado,
que pudéssemos ter chegado no dia de hoje nessas condições, mas sonhando sempre
que elas não cessem de se ampliar e que possamos transformar essa precária
democracia no começo de uma outra sociedade. Muito obrigado. (Palmas.)
(Revisto
pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Anistia
79/89: Direitos Humanos – Uma Luta Para Sempre. Hoje, às 20h, na Assembléia
Legislativa. Os Senhores estão convidados, segundo comunicação que estamos
recebendo aqui do nosso companheiro Dep. Mário Madureira.
Encerrando gostaria de dizer que seria bom se
pudéssemos ter, nas próximas eleições, no mínimo uns dez de cada um dos
Senhores em nossos parlamentos. Se não fossem os Senhores, não teríamos, hoje, um
Governador eleito, teríamos aqueles indicados, não teríamos também os Prefeitos
nas áreas de segurança. Foi uma luta, se lutava pelas eleições diretas em todo
o País e se acampava de um lado para o outro e se ganhou um pirezinho, como se
fosse uma esmola, nas eleições para a Prefeitura e agora nós temos a grande
oportunidade, que é a Presidência da República.
Eu cumprimento a todos pela presença, uma boa
noite e sejam bem vindos à Casa do Povo, que os Senhores e as Senhoras
conquistaram – e que, sem isso, ela estaria fechada. Muito obrigado.(Palmas.)
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrados
os trabalhos.
(Levanta-se a Sessão às
18h40min.)
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